Na cidade de São Paulo, o dia 9 de julho não é mais apenas o dia do MMDC, ou daquela que se convencionou chamar de “revolução constitucionalista”.
Desde 2017, a capital celebra nesta data o Dia da Luta Operária, uma homenagem ao início da Greve Geral de 1917. Há 102 anos, naquele 9 de julho, era assassinado pela Força Pública o grevista espanhol José Martinez, 21 anos, operário de uma fábrica de calçados. A greve, até então restrita a algumas fábricas, espalhou-se pela cidade, em grande parte pela comoção popular causada pela morte.
Com a oficialização do Dia da Luta Operária no calendário da cidade, o movimento sindical e as forças progressistas colocam uma azeitona na empada da historiografia oficial que criou o feriado no estado. MMDC (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo) é um símbolo da investida – malsucedida – da oligarquia paulista contra o governo de Getúlio Vargas, em 1932, que passou a ser chamada de “revolução”, rótulo recentemente rejeitado por um número crescente de historiadores e pesquisadores.
A criação do Dia da Luta Operária foi uma iniciativa do vereador Antonio Donato, que apresentou projeto convertido em lei. “A ideia surgiu ao ler um livro com um capítulo sobre a greve de 1917, percebi a coincidência e a oportunidade de um contraponto ao 9 de julho oficial”, conta Donato. O livro a que se refere é São Paulo, Capital da Vertigem, de autoria de Roberto Pompeu de Toledo.
A homenagem será prestada em uma festa aberta a todos nesta terça-feira, dia 9, a partir das 9 horas, em uma antiga fábrica na Moóca, em São Paulo, agora transformada em espaço de eventos. A velha fábrica fica na rua do Bucolismo, 81.
“Getúlio vem com uma nova proposta de modernização do país. O grupo que chega ao poder pretende promover essas mudanças de maneira autoritária, sem consultas eleitorais”, conta Alexandre Hecker, professor de História Contemporânea da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Mackenzie. O novo presidente fecha o Congresso Nacional, anula a Constituição de 1891 e depõe governadores de diversos estados, passando a nomear interventores.
As medidas desagradam profundamente as elites paulistas tradicionais. “Esses grupos, que eram ligados ao Partido Republicano Paulista (PRP) e haviam sido derrotados pela revolução de 1930, passam a trabalhar em oposição ao governo de Getúlio”, diz o professor Hecker. Já, a partir de 1931, se junta a essa elite deposta um “grupo mais moderno”, que exige do governo a criação de uma carta magna que regesse a legislação do país – algo que Vargas vinha adiando cada vez mais – além de eleições gerais para presidente da república.
Ao mesmo tempo em que se formava esse grupo opositor, fortaleciam-se, em São Paulo, os chamados tenentistas, constituídos não apenas por militares, mas também de civis que agiam sob sua liderança. “Eles se reuniam no Clube Três de Outubro e apoiavam as ações do governo”, explica o professor. “Havia diversas brigas de rua entre os estudantes do Largo São Francisco e esse grupo getulista, os tenentistas”.
No dia 23 de maio, essas forças se encontraram e se defrontaram nas ruas de São Paulo, o que resultou na morte de alguns estudantes em praça pública, que ficaram famosos como MMDC (sigla das iniciais dos quatro jovens mortos: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Mais tarde, adicionou-se a letra A, de Alvarenga, ao final da sigla, de outro jovem que acabou morto por causa do conflito).
Essas mortes foram o estopim que deu início no dia 9 de julho de 1932 à chamada Revolução Constitucionalista. Com a ajuda de jornais e rádio, o movimento ganha apoio popular e mobiliza 35 mil homens pelo lado dos paulistas, contra 100 mil soldados do governo Vargas. “Havia uma possibilidade de que outros estados viessem em apoio ao governo do estado de São Paulo, mas ele ficou isolado”, diz Hecker.
Foram quase três meses de batalhas, encerradas em 2 de outubro daquele mesmo ano, com a derrota militar dos constitucionalistas. “Moralmente, porém, em termos de denúncia política, o movimento foi vencedor, porque logo depois do término do conflito, o governo federal convocou eleições para uma Assembleia Constituinte, que promulgou a Constituição do Brasil em 1934. Foi também quando, pela primeira vez no país, as mulheres participaram do processo eleitoral”, ressalta o historiador.
O termo “revolução” para o movimento constitucionalista não é muito adequado àquilo que se propunha fazer, segundo o professor. “Não era uma revolução. Na verdade, desejava-se a normatização da legislação e do processo eleitoral, e não uma mudança no sentido de alteração das relações de poder ou qualquer coisa que significasse uma limitação no processo de desenvolvimento capitalista”, afirma. Ele diz que, para alguns historiadores, o movimento é considerado até conservador e anti-revolucionário. “Era uma elite derrotada que queria voltar ao poder e encontraram nesse movimento uma desculpa para isso”. (revista Nova Escola)
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