Vinte e um de julho de 2021. Miraildes Maciel Mota, a Formiga, estreava com a Seleção Brasileira de futebol nos Jogos de Tóquio-2020 com goleada por 5 x 0 sobre a China, e estabelecia um novo recorde feminino do país: o de mulher com o maior número de participações olímpicas. A boleira forjada nos campos de Salvador (BA) havia feito o check-in em todas as participações anteriores, de Atlanta-1996 ao Rio-2016. Exclusividade da ex-volante? Uma personagem do vôlei de praia radicada em Brasília mostra que não. Maria Amélia Villas-Bôas não entra em quadra, mas é uma das peças responsáveis por fazer funcionar a engrenagem da quinta modalidade que mais premiou o Brasil em Olimpíadas.
Carioca de nascimento e brasiliense de coração desde 1994, Maria Amélia é uma ex-árbitra, atual coordenadora e membro da comissão de arbitragem da Federação Internacional de Voleibol (Fivb) que se orgulha dos 38 anos de serviços prestados ao esporte, com envolvimento em mais de 5.000 partidas de campeonatos mundiais pelo planeta bola e das milhas acumuladas nos Jogos de Atlanta-1996, Pequim-2008, Londres-2012, Rio-2016 e Tóquio-2020. Ela foi juíza na última disputa nos Estados Unidos e a responsável por mediar as finais olímpicas na China e na Inglaterra. Como costuma dizer, Paris-2024, a sexta das mais nobres das missões, é logo ali.
Faltam 85 dias para a abertura da edição que promete ser a mais igualitária em termos de distribuição de vagas para atletas. Maria Amélia torce para que os próximos meses passem rápido. Embora aguarde ansiosamente pela nova experiência, ela encontra uma brecha para furar esse bloqueio. Trabalhar é preciso. Não à toa, supervisiona as equipes de arbitragem na reunião das melhores duplas masculinas e femininas do Circuito Mundial do Vôlei de Praia, o Elite16, iniciado ontem, no Parque da Cidade. A competição, uma das últimas e mais importantes da corrida olímpica, segue até domingo e demanda atenção da carioca de 66 anos.
Maria chegou do México na semana passada e está novamente na ativa. Estresse por viver da rotina intensa do vôlei? A resposta é totalmente contrária. Em entrevista ao Correio, a coordenadora define a responsabilidade como privilégio ao relembrar do início no esporte. "Fiz um curso de arbitragem de quadra. Coincidentemente, fui uma das alunas que passaram sem fazer prova, só com a parte prática. Eu teria de fazer 20 jogos como estagiária e faltavam-me dois. Em 1987, teve o primeiro Mundial de Vôlei de Praia, em Ipanema. A Confederação Brasileira me chamou para ser juíza de linha para compensar as partidas restantes. Dois anos depois, no primeiro Campeonato Brasileiro, fui árbitra e apitei a final, quando havia aquele olhar de outros verem mulheres em duelos entre homens. Quando acabou o Brasil x Austrália que mediei, o meu coordenador avisou que eu iria com os jogadores para sala de imprensa, pois todos estavam estarrecidos em ver uma mulher na arbitragem. Ali fui criando minha paixão pela praia", narra.
"Naquela época, como sentiam que era muito difícil mulher apitar jogo de homem, o coordenador disse que gostaria de inovar levando, pelo menos, quatro mulheres, pois jamais, até 1996, mulheres haviam apitado esportes coletivos", emenda. Tabu quebrado. Não apenas para arbitragem do vôlei, mas também para o Brasil. Naquele ano, a modalidade praia estreou no programa olímpico com a dobradinha de Jaqueline/Sandra (ouro) e Mônica/Adriana (prata) no feminino. Na quadra, Ana Moser, Fernanda Venturini, Leila, Virna lideraram o Brasil à inédita medalha nos Jogos, com o bronze diante da Rússia. "Foi a primeira Olimpíada. Foi um sonho realizado", compartilha.
As melhores memórias olímpicas de Maria Amélia, porém, são de Pequim-2008 e, especialmente, de Londres-2012. "Fui agraciada, pois o Brasil estava sempre em todas as finais, e eu só não apito se o país não estiver. Não deixamos ter Brasil na final. A Olimpíada na Inglaterra era a minha última. Eu achava que, no máximo, eu iria apitar um bronze, talvez, pois os nossos times masculino e feminino estavam muito bons", comenta. "As jogadoras sabiam que eu estava encerrando carreira. Lembro que a final era entre os EUA, e uma americana falou: 'Você realmente merecia estar aqui, por isso ganhamos do Brasil'. Foi muito gratificante. Ganhei camisas e amizades", ressalta a profissional, homenageada com medalha e placa pela Fivb e CBV, pelos serviços prestados.
Maria Amélia segue o caminho contrário de juízes e membros de comissões de arbitragem de outros esportes. É admirada por jogadores e outros envolvidos no espetáculo. "Hoje, tenho uma posição de respeito. Acho muito importante ter credibilidade. Óbvio que errei, sou humana, mas eu errava pouco. Quando falhava, eles ficavam até na dúvida. Isso faz com que você seja respeitado e receba carinho. Tem árbitro que torce para si. Os jogadores sabem que nunca fiz isso. Eu sempre dizia para eles: a minha medalha de ouro é estar aqui, é estar na Olimpíada, e não ir para uma final", relata.